domingo, 21 de fevereiro de 2021

A RÁDIO: NO CAMPO… OU NA PLAYSTATION?

📝 ARTIGO DE OPINIÃO | JOSÉ LUÍS ARAÚJO

Depois de 32 anos a correr campos de futebol, há 3 deixei a narração desportiva radiofónica. Foi uma decisão ponderada e amadurecida, mas também fruto das circunstâncias. O IRS ‘pesou’, bem como uma tentativa ‘falhada’ de poupar 5 euros de portagem, que me custou ‘os olhos da cara’.
Contudo, o que efetivamente me levou a abandonar algo que me dá gozo fazer foi uma proposta para fazer relatos, mas, “nalguns jogos fora”, a narração seria via TV, sentado ‘no sofá’. Recusei liminarmente.
Permitam-me que explique: Eu entendo que as rádios nacionais, especialmente as privadas, façam em estúdio a narração de jogos das equipas portuguesas no estrangeiro, nesta fase difícil que atravessamos, no sentido de minimizar custos. Percebo que deslocações à Madeira, aos Açores ou ao Algarve não são propriamente a mesma coisa que ir de Viseu à Guarda ou a Aveiro. 
Sei e entendo, mas, para mim, o futebol joga-se no campo e não na PlayStation.
Sei o que custa fazer 52 jogos numa época (no ano em que o Tondela subiu à I Liga fez 55 jogos oficiais). Sei o que custa ir ao Algarve duas vezes em 15 dias, ou ir fazer um jogo à Madeira, adiado por 24 horas devido ao mau tempo, e passar 8 horas no aeroporto do Funchal para mudar o voo para o dia seguinte, sem aumentar os custos.
Sei o que custa trabalhar num campo sem condições; estender cabo para fazer o relato sentado no ‘tronco’ de uma árvore junto ao pelado; descobrir a ‘minha’ linha telefónica no meio da bancada dos adeptos da equipa da casa e ter que narrar o jogo com um guarda-chuva encostado às costas, porque o ‘meu amigo’ não concordou com algo que eu disse; bem como fazer um jogo em Chaves às 11 horas da manhã, com um frio de ‘rachar’, enrolado num cobertor. Passei por isto tudo, entre outras coisas.
Agora, estão a imaginar se os jogadores e treinadores decidissem que os jogos passariam do campo para a PlayStation? 
É mais ou menos a mesma coisa o que alguns estão a fazer na rádio. Ver o jogo na TV e fazer o relato no sofá é muito mais confortável do que sentado numa cadeira de um campo de futebol, ao frio, à chuva ou debaixo de um calor abrasador. O aquecedor é muito melhor do que bater o pé no cimento.
Mas há exceções.
Acompanho os jogos do Académico no Estádio do Fontelo há muitos anos. Esta época, e já vamos na segunda volta, apenas 2 rádios estiveram presentes no Fontelo: uma de Coimbra e outra de Mafra. Foram as únicas. Escrevi isso num post no Facebook e houve quem não gostasse que o tivesse dito.
Mas o relato de sofá, às vezes, tem desvantagens. Uma delas é internet cair e o sinal da TV ou ‘streaming’ ir ‘à vida’ e lá temos: “um problema técnico impede-nos a ligação ao Estádio do Fontelo”. Aconteceu há não muito tempo. No estádio, à falta de internet há sempre um telefone à mão.
Há ainda quem faça, de vez em quando, o relato de um ou outro jogo do Académico, mas no ‘sofá’. E falo do Académico de Viseu porque o acompanhei durante 27 anos, mesmo quando andou pela 1ª Divisão Distrital, numa altura em que “o produto” não interessava às rádios de Viseu.
Mas a questão é mais profunda e que a pandemia veio agravar. Os relatos de futebol deixaram de ser um ‘produto’ para as (algumas) rádios, por desinteresse, por falta de estratégia, mas também porque algumas se tornaram caixinhas de música, de ressonância de ‘enlatados’ de qualidade duvidosa, para além de que o PC ‘toca’ que se farta e não se cansa.
Para além disso, o panorama radiofónico na região de Viseu (tirando as rádios nacionais) também não é famoso, para além de muito díspar. Há exceções, mas a grande maioria das rádios anda a discutir o mesmo público alvo. No resto, para lá da vontade, há falta de estratégia, de orientação, de uma linha, um público alvo bem definidos e muita gente sem qualidade atrás do microfone. 
Voltando ao desporto, e em particular ao futebol, sei o que custa fazer uma época desportiva, mas sei também que, quando as coisas são bem feitas, há quem apoie e patrocine. A questão é que na maioria dos casos o produto é de fraca qualidade e de interesse reduzido. 
Na minha opinião, as rádios locais só têm a ganhar se produzirem um produto diversificado e de qualidade. Para isso, têm que ter estratégia, uma linha bem definida, virada e orientada para a região. E não é difícil, basta ter alguma imaginação.
Em Viseu os adeptos, do Académico, do Lusitano de Vildemoinhos e dos outros clubes, continuam a gostar de futebol, futsal, andebol, atletismo, ciclismo, etc. A questão é saber se as rádios da região têm interesse neste público. E se têm, o produto que oferecem é apelativo e de qualidade?
É que sem um produto interessante, bem feito, criativo e atrativo para os ouvintes, não haverá quem esteja disposto a investir em publicidade. O produto “desporto” não pode ser visto de uma forma isolada no meio do ‘caldo’, mas sim inserido numa programação bem estruturada, diversa e de qualidade. Não pode agradar a gregos e a troianos. O produto “rádio” não pode ser uma sopa de ‘letras’, tampouco uma sopa ‘à portuguesa’, mas sim um bom vinho do Dão.
Dir-me-ão que os tempos são outros e a pandemia não ajuda. 
É uma evidência, mas a rádio continua a ser mágica. Continua a ter quem a oiça.
👨 José Luís Araújo, natural de Sátão, é um radialista que, para além de outras colaborações em várias estações do distrito de Viseu desde os anos 80, tem uma carreira que se destaca na Rádio Nova, na extinta Rádio Viriato e na Rádio Renascença. Atualmente, para além da direção da revista Gazeta Rural, é o responsável e apresentador do programa 'Manhãs da Rádio' na Antena Livre de Gouveia.